Laguna é uma cidade situada no litoral centro-sul catarinense fundada em 1676, e palco de importantes eventos históricos, como a Revolução Farroupilha, e do conhecido romance, transatlântico, entre os revolucionários Anita e Giuseppe Garibaldi, heróis no Brasil e Itália. Além da relevância histórica, a região foi agraciada por belezas naturais ímpares, como o Sistema Estuarino de Laguna, que é composto por três células denominadas Lagoas de Santo Antônio, Imaruí e Mirim. Tais lagoas abrigam uma elevada biodiversidade de animais e plantas e provém opções de recreação, lazer, contemplação e recursos alimentares (peixes, caranguejos) à inúmeros moradores da região.
Dar uma volta despretensiosa ao redor das lagoas do Sistema Estuarino e observar pescadores, botos e biguás (e uma série de outras espécies) se movimentando em busca de alimento (e diversão) é um espetáculo sem igual. Como pode tanta “gente” se fartar e o peixe não acabar? Será que todos estes animais comem a mesma coisa? Se uma espécie comer muito e a outra pouco, o que acontece? Todas estas são perguntas simples e frequentes, feitas por espectadores curiosos de todas as idades que passam um tempo pela região de Laguna. A simplicidade destas questões embute em si uma fina percepção ecológica, de que os componentes da biodiversidade que vemos (e os que não vemos!) estão intimamente conectados entre si por complexas interações.
De fato, as interações ecológicas ocorrem em todas as escalas da natureza e formam um emaranhado invisível aos olhos humanos, denominado rede trófica. Este conceito é muito importante em ecologia, pois permite compreender como as espécies se relacionam por interações como predação e competição por recursos, evidenciando também como a energia flui em um ecossistema. Desta forma, a construção de um modelo ecológico de redes tróficas permite compreender a estrutura de um ecossistema (como as lagoas do Sistema Estuarino), possibilitando prever como alterações ambientais e variações na abundância de determinadas espécies refletem direta e indiretamente em outras espécies, e também nos pescadores e moradores locais. Em um cenário mundial de elevadas taxas de perda de espécies, os modelos ecológicos que possam prever o futuro preditivos tornam-se ferramentas essenciais para se discutir a gestão e conservação dos recursos naturais.
Neste sentido, construir um modelo de rede trófica para o Sistema Estuarino de Laguna é um dos principais objetivos do Programa de Pesquisa Ecológica de Longa Duração (PELD) “Efeitos sistêmicos de uma rara cooperação entre boto-pescador”. Este programa é financiado pelo CNPq (Conselho Nacional de Pesquisa). Nosso objetivo é um desafio e tanto! Afinal, para se construir um modelo ecológico tão complexo, são necessárias informações sobre vários componentes do ecossistema. Por exemplo, nós precisaremos estimar qual a taxa de entrada de detritos provenientes de plantas de mangues e marismas no Sistema Estuarino, bem como estimar a biomassa de algas microscópicas, microcrustáceos, zooplanctônicos, camarões, siris, peixes (de várias espécies), aves e botos que vivem na área de estudo. Precisaremos saber também o que e quanto estas espécies comem, permitindo determinar as relações diretas e indiretas entre espécies locais. Uma outra informação vital ao modelo será determinar qual a captura anual das diferentes modalidades de pesca que ocorrem nos ecossistemas da região.
São muitas informações que serão obtidas por meio da realização de campanhas de coleta de dados em campo e atividades laboratoriais. De posse das informações, o trabalho será sistematizar os dados e ajustar o modelo de rede trófica com o máximo de parcimônia, de forma a gerar informações robustas que possibilitem compreender o sistema ecológico estudado e também subsidiar a gestão de atividades antrópicas na região. Dá um trabalhão, mas como cientistas, adoramos tudo isto…
Nas etapas mencionadas estarão envolvidos alunos de graduação, mestrado e doutorado, bem como professores da UFSC, da UDESC e de outras instituições de ensino nacionais (UFSCAR, UFRJ, UFRGS e UFRN) e internacionais (Universidade do Oregon, EUA). Todos estes repletos de entusiasmo e curiosos como crianças para saber como as espécies, incluindo os seres humanos, interagem nas lagoas históricas da região de Laguna.