O que leva um indivíduo a cooperar com outros? Tal pergunta intriga não somente quem observa como se comportam nossos conhecidos no dia a dia. A pergunta é antiga; alimenta um rico debate acadêmico por mais de um século. Conceitos morais à parte, o ‘x’ da questão está no balanço entre “custo e benefício”. Em teoria, a cooperação surge e persiste quando seus custos são superados pelos benefícios; quando, na média, indivíduos ganham mais do que perdem ao interagir com outros indivíduos. Perdas e ganhos podem ser encarados de diversas perspectivas — energéticas e materiais, indiretas e morais — e percebidas em diversos momentos — imediata ou futuramente. Mas o cerne da sua manutenção continua no balanço positivo de benefícios para os participantes. Portanto, para entender como uma cooperação surge e se mantém, é preciso entender este balanço. No entanto, quantificá-lo é um desafio. Medir o quanto cada indivíduo recebe e investe em suas interações não é nem um pouco simples.
Nós encaramos este desafio estudando a interação única entre predadores marinhos e terrestres em busca de uma presa em comum — os botos e pescadores artesanais de Laguna somando esforços para capturar tainhas. Até onde o olho alcança, pescadores e cientistas entendem que botos arrebanham cardumes de tainhas em direção à costa, onde pescadores artesanais aguardam o momento certo para lançarem suas tarrafas. A interação é benéfica para os pescadores — capturam mais peixes na presença dos botos. Mesmo esta interação datando mais de um século, no entanto, o que acontece entre os botos permanece pouco conhecido. Como descobrir se os botos de fato capturam peixes durante esta interação ou se apenas os pescadores levam vantagem? Como descobrir como os botos interagem com as tarrafas dos pescadores, se a água é turva?
Neste projeto ecológico de longa-duração encaramos estas questões desafiadoras por diversos ângulos. Encontramos maneiras de apreciar a interação entre botos e pescadores acima e abaixo d’água simultaneamente. Acompanhamos botos por drones e pescadores com GPS para quantificar seu comportamento espacial e coordenação. Fotografamos botos e entrevistamos pescadores para descobrir quem interage com quem. Gravamos a ecolocalização dos botos e observamos os pescadores na praia para quantificar suas recompensas pela interação. Usamos sonares de alta resolução para imitar os botos e usar sons para “ver” o que acontece sob as águas turvas: tamanho do cardume, como a rede abraça o cardume e o que fazem os demais botos. Pela primeira vez, poderemos entender a dinâmica dessa interação em uma escala fina e estimar os benefícios para pescadores e botos ao mesmo tempo.
São estes os primeiros passos para compreender o surgimento de uma cooperação única entre animais e humanos. Esta compreensão é fundamental para que possamos prever por quanto tempo mais tal cooperação que transcende a barreira das espécies resistentes às mudanças ambientais.